O Construtor e o Sonhador
A bordo da cabine individual da Viação Harpa, o Construtor viajava sorrindo. Abaixo dele os tetos de cores vivazes corriam em direção oposta, misturavam-se e davam a ele a impressão de estar escorregando em um arco-íris. Os telhados foram estudados propositalmente para dar esse efeito e cada fileira de casa deveria ter uma cor exata.
Com a paisagem que mudava do vermelho ao violeta, os passageiros da Viação Harpa podiam viajar sobre a cidade bem relaxados. O Construtor sentia-se orgulhoso por ter elaborado os telhados. Não foi fácil, mas vendo tudo pronto percebeu que o esforço valeu à pena.
Ele não criou só isso. Criou também a Viação Harpa: um sistema de transporte aéreo de altíssima velocidade, em que as cordas de suporte das cabines vibram produzindo sons de harpa.
Claro, no começo o projeto não deu certo. As cabines permaneciam sob a mesma corda e o vozerio dos tripulantes formava um ruído fastidioso. (Irritante)
Agora as cabines iam de uma corda para outra com autonomia para produzir melodias novas e soar em sincronia. Assim, graças a Viação Harpa, a cidade era contemplada com canções alegres e agradáveis.
E o Construtor não parou por aí. As fábricas da cidade não lançavam fumaça das chaminés, mas sim uma deliciosa fragrância de algodão doce, os parques eram ilhas flutuantes de terra sustentadas por hélices e conectadas ao chão por escadas rolantes. O esgoto era purificado imediatamente, os hospitais eram lugares tão radiantes e divertidos que as pessoas preferiam ficar doentes a ir ao cinema.
Vestido com uma jaqueta listrada em amarelo e preto, que mal cobria sua barriga, e com bigode comprido e penteado em espiral, o Construtor sorria e esvoaçava em direção ao seu destino habitual.
A estação da Viação Harpa ficava a muitos metros do chão e para descer era preciso escorregar por um pilar, igual aquele dos bombeiros, que deixava um cheiro delicioso e inigualável nas mãos. Isso também era feitio do Construtor. A cidade inteira o era.
Um dia andando nas ruelas pavimentadas, o Construtor ia respondendo cordialmente as saudações dos concidadãos que olhavam para ele com grande admiração.
Chegando ao cruzamento antes da sua meta, conferiu se ninguém o seguia e virou para a esquerda. No final da rua havia uma casa redonda, disforme, de um aspecto que destoava do resto da cidade. Ninguém, além do construtor, entrou e nem mesmo viu aquela casa. Não porque estava escondida, mas porque era tão diferente das outras que mantinha longe todas as pessoas. Quem tentasse olhar não conseguiria, pois inesperadamente surgiria algo muito mais interessante causando distração, assim ninguém mais se importava com ela.
O Construtor se aproximou da porta e bateu observando uma placa que ficava em cima dela. Ali estava escrito: “O Sonhador”.
Quem abriu foi um jovem magro, mal vestido e um pouco distraído que o convidou a entrar. Dentro da moradia era escuro e ao mesmo tempo exuberante, de um jeito incompreensível que só vendo.
As paredes, decoradas de projetos escritos exatamente de preto sobre o branco, canetas sobre a escrivaninha de quinas desgastadas. Tudo era tão sério quanto um consultório médico.
Observando com um ar mais detalhado notava-se que os projetos em preto e branco falavam sobre cores raríssimas e as canetas colocadas casualmente formavam figuras abstratas. Na casa do Sonhador era possível fechar os olhos e sentir a energia que existia ali dentro e entrar em sintonia com o mundo dos sonhos.
O Construtor cumprimentou o Sonhador energicamente apertando sua mão por um bom tempo e proclamou:
- O projeto do correio fulminante foi um sucesso sem precedentes!
- Oh, fico muito feliz! – respondeu o Sonhador olhando atentamente o Construtor que observava a sala. - Sabia que teria ficado bom.
- Então você tem algo para mim? – perguntou o Construtor estendendo a mão para receber do Sonhador uns pergaminhos enrolados.
Ter vínculos com o Sonhador não era nada fácil, já que os seus projetos eram como os cereais que ficam muito tempo no leite: difícil de reconhecer a forma original deles. Eram necessários muita paciência e tempo para estudá-los.
Olhando-o no rosto sentiu uma onda de gratidão pelo rapazinho que deu-lhe a oportunidade de mudar a própria vida e ser reconhecido por suas obras.
- Meu querido! O que vou fazer quando você não terá mais idéias para eu realizar? Eu gostaria de ter tantas assim! – e deu uma gargalhada que fez saltar um botão de sua jaqueta.
Por um momento essa pergunta fez com que o Sonhador voltasse um pouco à realidade e seus olhos expressassem pânico e arrependimento. Com um sorriso melancólico disse:
- Gostaria de ter sido eu a realizá-los.
Texto: Pierangelo Peloso
Tradução e adaptação: Hernandes Pizoni